Primeira pergunta já tem resposta: “Quando vão pegar a Odebrecht?”. A segunda segue sem resposta: “Quando vão pegar Lula?”
O nome das operações e fases de operação da Polícia Federal
hão de merecer, algum dia, uma tese de doutorado em linguística. A que atinge
agora a Odebrecht e a Andrade Gutierrez chama-se de “erga omnes” —
literalmente, “para todos”. Assim, a PF estaria mandado um recado e
embutindo já um juízo de valor: “É para todos, também para as grandes”. Como
expressão jurídica, é uma impropriedade. Os atos “erga omnes” têm outro caráter
e se referem a decisões tomadas pela Justiça que têm alcance geral; não se referem
ao fundamento de que ninguém deve estar acima da lei. Mas sigamos.
A pergunta que não queria calar, com ou sem fundamento, era
esta: “Quando vão (o sujeito sempre indeterminado) pegar a Odebrecht?”. Pronto!
Pegaram. A Andrade Gutierrez, também uma gigante do setor, provocava menos
clamor. E, nesse caso, há um dado meio silencioso que acompanhava a torcida:
dá-se de barato que a Odebrecht é, de todas as empresas, aquela que está mais
próxima de Lula. Em muitas cabeças, a pergunta “Quando vão pegar a Odebrecht?”
quer dizer literalmente: “Quando vão pegar Lula?”.
Quando a PF chama a nova fase da operação de “erga omnes”,
parece estar respondendo a esse clamor: “Bem, vocês nos perguntavam quando
pegaríamos a gigante, certo? Pronto! Pegamos!”.
Li o que está disponível sobre as razões da prisão. Vamos
ver. Há um e-mail de um executivo que fala em “sobrepreço”, que seguiu com
cópia para Marcelo Odebrecht. A PF e a Justiça o exibem como evidência material
do que é uma convicção. Afirma, por exemplo, o delegado Igor Romário de Paula:
“A forma de contratação criminosa era disseminada dentro da Odebrecht e parece
impossível se cogitar que não era de conhecimento deles (do presidente e
executivos presos). Há prova material de que tinham conhecimento de prática de
sobrepreço nas contratações com a Petrobras e que também haveria a participação
deles direta nas divisões de contratos a serem contratos dentro do cartel”.
A “disseminação”, como se percebe, é uma convicção; o
domínio que o presidente da Odebrecht teria é outra, daí o “parece impossível
se cogitar” e o “haveria (atenção para o tempo do verbo) a participação
direta”. Quando o caso chegar a uma instância decisória da Justiça, será
preciso mais do que isso. Faço o alerta porque, depois, as coisas não acontecem
de acordo com a expectativa do clamor, e aí se grita: “Impunidade!”.
Percebam que o tom do juiz Sergio Moro é o mesmo, até com o
emprego da mesma expressão: “parece impossível”:
“Considerando a duração do esquema criminoso, pelo menos desde 2004, a dimensão
bilionária dos contratos obtidos com os crimes junto à Petrobras e o valor
milionário das propinas pagas aos dirigentes da Petrobras, parece inviável que
ele fosse desconhecido dos Presidentes das duas empreiteiras, Marcelo Bahia
Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo”.
Ninguém será condenado com “parece impossível” nem com
“parece possível”. Em direito, essas expressões querem dizer a mesma coisa.
Na sequência, o juiz faz uma afirmação temerária:
“Mesmo ganhando a investigação notoriedade, com divulgação de notícias do
possível envolvimento da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, bem como a
instauração de inquéritos, não há registro de que os dirigentes das duas
empreiteiras, incluindo os Presidentes, tenham tomado qualquer providência para
apurar, em seu âmbito interno, o ocorrido, punindo eventuais subordinados que
tivessem, sem conhecimento da presidência, se desviado. A falta de qualquer
providência da espécie é indicativo do envolvimento da cúpula diretiva e que os
desvios não decorreram de ação individual, mas da política da empresa.”
Bem, o fato de “não haver notícia” não quer dizer que não
tenha acontecido. Mais: o que vai acima é um juízo moral, não indício de um
crime a sustentar uma decretação de prisão preventiva.
Obrigação
A obrigação é dizer tudo, não fazer torcida. Se Marcelo Odebrecht e os demais
empreiteiros cometeram os crimes de que são acusados, que paguem. Só estou
apontando aqui algumas evidências de fragilidade e deixando claro que não basta
o “só pode ser” para condenar alguém. Cada um leia como quiser. Meu papel é
fazer análise, não me comportar como líder de facção. A advertência é
importante porque, depois, a coisa morre no meio do caminho, e logo começam as
teorias conspiratórias.
Sim, numa democracia, a lei é para todos. Mas cabe a quem acusa
apresentar as provas, não suas convicções e juízos de valor. Isso, sim, vale
“para todos”, mesmo para as pessoas cuja culpa consideramos certa.
Bem, vamos ver o andamento das coisas. A primeira pergunta
já tem resposta: “Quando vão pegar a Odebrecht?”. Pegaram. No dia 19 de junho
de 2015. A outra pergunta segue sem resposta: “Quando vão pegar Lula?”. Por Reinaldo Azevedo
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