Ex-ministro critica postura do ex-presidente e faz alusão à Lava Jato
Passados dez anos da eclosão do mensalão, o ex-ministro da
Casa Civil José Dirceu, condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por corrupção
ativa, não esconde a mágoa em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e à presidente Dilma Rousseff. Em conversa com amigos, na semana passada,
Dirceu usou a palavra "covardia" para se referir à postura que
considera omissa de Lula e Dilma durante todo o processo do mensalão. Omissão
que, segundo ele, se repete agora, em relação à operação Lava Jato, na qual
Dirceu é investigado, e faz com que todos os petistas condenados ou não,
inclusive o ex-presidente e a atual, carreguem a pecha de corruptos.
"De que serve toda covardia que o Lula e a Dilma fizeram na ação penal 470
e estão repetindo na Lava Jato? Agora estamos todos no mesmo saco, eu, o Lula,
a Dilma", disse Dirceu, segundo relatos colhidos pela reportagem.
Durante uma década Lula se esquivou de fazer publicamente a defesa dos
correligionários envolvidos no esquema de corrupção que, segundo o Supremo
Tribunal Federal, serviu para comprar apoio parlamentar ao governo do PT. Até o
julgamento, em 2013, alegava que preferia esperar a decisão do Supremo. Depois
colocou o assunto de lado, apesar de todos pedidos para que desse ao menos uma
palavra de solidariedade aos companheiros presos.
Aos amigos com quem falou na semana passada, Dirceu disse desconhecer as razões
de Lula e fez uma ressalva ao dizer que o ex-presidente não faz "nem a
defesa dele mesmo". Apesar da mágoa, o ex-ministro descarta qualquer
possibilidade de o ex-presidente ter participado das negociações com partidos
aliados que levaram ao escândalo do mensalão.
Ele revelou a pessoas próximas ter voltado contra sua vontade à direção do PT
em 2009, quando preferia se manter afastado do foco político. O ex-ministro
disse ter sido procurado por Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, em um
hotel de Brasília onde ouviu a ordem para reassumir seu posto no diretório
nacional do PT. "Lula queria me controlar", afirmou a amigos.
Ao contrário de vários petistas, Dirceu não vê Lula se movimentando em direção
a uma possível candidatura em 2018. Ele diz acreditar que o ex-presidente está
mais ocupado no momento em mobilizar os setores próximos do partido e
"colocar lógica" na relação turbulenta do governo com o PMDB. Mas não
descarta a volta do companheiro. "Se chegar em maio de 2018 e o Lula
disser que é candidato ninguém vai se opor", disse ele aos amigos na
semana passada.
Cadeia Às poucas pessoas de fora de seu círculo pessoal com quem tem conversado
enquanto cumpre pena em regime aberto, em Brasília, ele também não esconde o
temor de voltar à cadeia por causa da Lava Jato. "Querem me condenar ou me
colocar outra vez na cadeia. Imagine o estardalhaço", disse ele em uma
dessas conversas.
A força-tarefa da Lava Jato investiga um pagamento de R$ 1,15 milhão feito pelo
lobista Milton Pascowitch à J. D. Assessoria e Consultoria em 2012, enquanto o
Supremo julgava o mensalão e desconfia que o pagamento pode não estar
relacionado com os serviços da empresa.
Dirceu passou 11 meses na Papuda, em Brasília e desde novembro do ano passado
ganhou o direito a cumprir a pena em casa, de onde sai apenas para trabalhar no
escritório do advogado José Geraldo Grossi, em Brasília. Ele segue à risca a
proibição de dar entrevistas ou ter atividades políticas e mantém o foco em sua
defesa na Lava Jato. A esses poucos interlocutores, nega com ênfase as
denúncias e diz ter enviado à Justiça provas da prestação dos serviços.
Além disso, sempre aproveita para rechaçar o julgamento do mensalão reafirmando
que a compra de apoio parlamentar não existiu. "Aquilo era dinheiro para
campanha e dívidas de campanha", repete.
Os amigos que visitam Dirceu percebem no ex-ministro os efeitos dos meses na
cadeia tanto no físico quanto no humor. Afirmam que ele tem reclamado com
frequência da falta de dinheiro, garantindo que vive atualmente apenas com R$ 4
mil que recebe no escritório e o salário de aproximadamente R$ 12 mil da J.D.
Assessoria e Consultoria - que deve encerrar as atividades em seis meses com
dívidas de mais de R$ 1 milhão, segundo relatos.
Dirceu tem alegado também que os milhões recebidos desde que deixou o governo,
em 2005, se foram na defesa política e jurídica do mensalão e nas atividades de
consultoria. Foram mais de 300 viagens pelo Brasil e 128 a 23 países do
exterior entre 2005 e 2013. O ex-ministro tem afirmado ainda que parte do seu
patrimônio será colocada à venda para pagar as dívidas da empresa. "Não
posso mais trabalhar no Brasil", disse ele a uma pessoa próxima.
Secundário Embora esteja formalmente afastado da política, Dirceu acompanha de
perto as movimentações no PT. Para ele, o partido hoje tem papel secundário na
política nacional devido ao protagonismo do PMDB no Congresso, mas nem de longe
está morto. O ex-ministro cita como exemplo o PSOE espanhol, que deixou o
governo em 1996 sob denúncias de corrupção e colaboração com o terrorismo,
chegou a ser descartado como opção de poder, mas voltou com força em 2003.
Para Dirceu, o processo de reorganização do PT "é coisa para 4, 6 ou 8
anos". Ele prevê que em 2016 o partido conquiste menos de 10% dos votos
nas eleições municipais, uma redução em relação aos 13% alcançados em 2012.
(Estadão)
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