GRÉCIA DIZ 'NÃO' EM PLEBISCITO PARA TERMOS IMPOSTOS PELA UE
Os gregos disseram um sonoro "não" nas urnas a
seus credores. O plebiscito convocado pelo primeiro-ministro Alexis Tsipras
para avaliar se a população concorda com as condições impostas pela União
Europeia para liberação de ajuda financeira ao país teve uma resposta clara:
mais de 60% da população se disse contrária às medidas de austeridade impostas
pelo bloco econômico.
Por volta das 17h22, horário de Brasília, com mais de 82% da
apuração finalizada, o "não" tinha 61,57% dos votos, contra 38,43% do
"sim". A vitória apontou uma rejeição bem mais ampla do que a
esperada às políticas da UE. As pesquisas feitas ontem apontavam um resultado
dentro da margem de erro.
Embora o plebiscito fizesse uma pergunta específica, por
trás da negativa da população pode estar a chance de que, pela primeira vez, um
país possa sair da zona do euro - uma situação que coloca pressão sobre o
Eurogrupo, a chanceler alemã Angela Merkel (que governa o país que direciona a
maior parte da ajuda à Grécia) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Todos precisam decidir se o fluxo de dinheiro para o país
seguirá aberto apesar do que disseram as urnas. Na terça-feira, a Grécia se
tornou a primeira nação desenvolvida a dar um calote ao FMI. O país deixou de
pagar uma dívida de € 1,6 bilhão.
O governo grego tenta dar outra interpretação à situação.
Para o premiê, com o aval popular, a Grécia terá mais força para negociar
acordos melhores. O objetivo de Tsipras é que o país não precise cortar tantos
custos e benefícios sociais em troca da ajuda que tanto precisa.
A rejeição da população grega ao acordo proposto pela UE tem
razão de ser: nos últimos cinco anos em aceitou o plano de austeridade do bloco
econômico, a economia do país recuou nada menos do que 24%. O desemprego entre
os jovens é superior a 50%.
Segundo pesquisas de opinião divulgadas ao longo da semana e
também neste domingo, embora a maioria da população tenha votado
"não" neste referendo, cerca de 75% da população grega é contrária à
saída do país da UE.
Vitória. O resultado é uma vitória considerável para
Alexis Tsipras. Na última semana, ele fez uma ferrenha campanha para que os
gregos dissessem não às regras do pacote de ajuda impostos pela UE. O objetivo
do referendo, segundo ele, é conseguir condições mais favoráveis de negociação
para que o bem-estar social grego não tenha de ser tão sacrificado. Ao votar,
Tsipras afirmou que a democracia venceria o "medo" e a
"chantagem" - recado direto para o que considera uma posição
intransigente da UE.
Quase 10 milhões de eleitores na Grécia estavam aptos a votar
no plebiscito. Pela lei, o voto é obrigatório no país, mas na prática o texto
não é aplicado há bastante tempo - o que deixa a escolha livre para a
população. O ministro do Interior grego, Nikos Voutsis, afirmou, em declaração
à imprensa, que o governo considera o plebiscito um sucesso - com mais de 50%
dos eleitores comparecendo às urnas. O ministro das Finanças, Iannis
Varoufakis, já falando sobre a vitória do "não", disse que o
resultado ajuda a Grécia a buscar uma solução mútua com a Comissão Europeia
para seus problemas financeiros.
Depois de um verdadeiro duelo de protestos na sexta-feira,
quando os que advogam pelo "sim" e pelo "não" reuniram
milhares de pessoas em diferentes pontos de Atenas, o clima da cidade se
acalmou entre sábado e este domingo. O clima era calmo na maioria dos locais de
votação e não havia filas. A panfletagem, tão comum nos pleitos brasileiros,
tampouco sujou as ruas da capital grega. Como havia poucas seções eleitorais
nas proximidades dos pontos turísticos, os turistas mal percebiam que este era
um domingo vital para a economia grega.
Bancos. Depois de avaliar que não conseguiria aprovar
em sua base legislativa as condições impostas pelos credores para as
contrapartidas para a liberação de uma nova parcela da ajuda ao país, Tsipras
resolveu jogar a decisão para a população. O referendo foi convocado e
organizado em menos de dez dias.
Como o dinheiro novo não chegou - e para evitar uma corrida
às agências bancarias para saques -, o governo determinou feriado bancário até
a próxima terça-feira e estabeleceu um teto diário de € 60, expondo a
fragilidade do sistema bancário nacional.
Há relatos de que o dinheiro pode 'secar' nos caixas
eletrônicos na segunda-feira caso o Banco Central Europeu (BCE) não faça uma
nova injeção de capital para que as máquinas possam ser
abastecidas. Embora o limite para saques não valha para turistas, o Estado
ouviu no sábado relatos de visitantes que tiveram dificuldade de sacar dinheiro
e usar o cartão de crédito em ilhas como Mykonos e Santorini. Uma reunião entre
o Banco Central da Grécia e o Banco Central da Europa (BCE) está marcada para a
manhã de segunda-feira.
Cansaço. Entre os gregos que advogavam pelo voto contra
a UE, um discurso comum era o "cansaço" de esperar por uma promessa
de desenvolvimento que nunca se concretiza. É o caso de Thanassis Negas, 60
anos, que trabalha com importação e exportação de tecidos. "Eu não me
enquadro na categoria 'desempregado' para o governo, mas essa é a minha real
situação. Eu ganho muito pouco, menos do que o suficiente para me
sustentar."
Para Negas, que pertence ao movimento Enam (uma espécie de
resposta grega ao espanhol Podemos), o voto no 'não' é uma alternativa para
priorizar as pessoas em detrimento do capital. "Em toda a Europa, mesmo na
Alemanha, há informações de que as camadas mais pobres da sociedade estão
sofrendo. Está claro que a receita econômica atual está trazendo só pobreza, e
não desenvolvimento."
Em comentários sobre resultados da eleição, especialistas
afirmaram que os jovens gregos tiveram um papel fundamental no resultado do
voto no "não". Este foi o caso do estudante de economia Grigorios
Adamapoulos, de 26 anos, duas vezes na última semana.
Na noite da última segunda-feira, ele era um dos últimos
manifestantes a se desmobilizar em uma grande manifestação pelo voto contrário
às condições impostas pela União Europeia para renegociar a dívida e liberar
mais ajuda financeira para a Grécia. Dentro de casa, ele vivia uma divisão:
enquanto ele acreditava que era possível mandar um recado de insatisfação ao
bloco econômico, seus pais achavam que era melhor garantir a ajuda da UE e
votar "sim".
Na sexta-feira, Grigorios parecia ter conseguido
"virar" a tendência dos pais: "Pode escrever: toda a família de
Helen (nome da mãe de Grigorios) vai votar não." Tanto o estudante de
economia quanto seus amigos acreditam no discurso do governo de que uma vitória
no "oxi" no plebiscito de hoje não deverá acarretar a saída da Grécia
da União Europeia e a substituição do euro pelo antigo dracma - apesar de esse
ter o temor de muita gente no país.
Ele deixa claro: "Nós não somos contra o euro e nem
contra a Europa, não importa o que os outros digam." Na noite deste
domingo, à medida que o voto no "não" ficava clara, a reportagem
recebeu uma mensagem de Grigorios. "Vencemos! Vamos para a Syntagma (praça
do parlamento grego, no centro de Atenas)", referindo-se à festa da
vitória do "oxi" (não, em grego) no plebiscito. (AE)
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