Golpista, Dilma, é tentar intimidar o TCU, o Congresso, a Justiça e a população
Eu vou lhes dizer a diferença entre quem entende e quem não
entende a democracia. Maior do que o atraso econômico do Brasil, ainda é seu
atraso institucional, tudo porque, no fim das contas, somos governados por um
partido, de fato, obscurantista.
Vamos lá: em 1999, o então presidente dos EUA, Bill Clinton,
sofreu um processo de impeachment, acusado de perjúrio, por ter negado, diante
de um júri, que tivesse mantido relações impróprias com Monica Lewinski — ele
explicou entender que sexo oral não era sexo… — e de obstrução da Justiça: seu
governo teria tentando criar entraves para que se chegasse à verdade dos fatos.
Placar da primeira acusação no Senado: 55 pela absolvição contra 45 pela
condenação; da segunda: 50 para cada lado. Para cassar o presidente, eram
necessários dois terços dos votos.
Não! Clinton não era acusado de ser ladrão. Seu partido não
era acusado de comandar uma máquina criminosa. O presidente nem roubava nem
deixava roubar. Ele só era um tantinho descontrolado da cintura para baixo. Não
via problema em abrir o zíper da calça quando se fechava a porta do salão oval.
E olhem que os EUA viviam uma era de ouro. Clinton é frequentemente listado
entre os melhores e mais hábeis presidentes que teve o país. Ainda assim, por
causa, digamos, de uma incontinência erótica, quase foi cassado. O processo
teve rituais de humilhação. Veio a público o vestido que Monica usava no dia,
com restos do esperma presidencial.
Embora também alguns democratas tenham votado pelo
impeachment, é evidente que foram os republicanos que comandaram o esforço para
depor Clinton. Em nenhum momento, a imprensa americana escreveu a palavra
“golpe”. Colunista que se aventurasse por aí seria desmoralizado. Entenda-se:
os analistas políticos americanos têm, sim, suas preferências ideológicas e até
partidárias, mas não se sabe da existência de penas de aluguel na grande
imprensa — a não ser naquelas entidades que funcionam como órgãos explícitos de
proselitismo partidário.
Clinton procurou se defender sem acusar conspiração nenhuma
— embora, como é normal na democracia, a oposição republicana se esforçasse
para extremar a fealdade de seus atos, e os democratas fizessem o contrário,
acusando os adversários de exagerar por razões puramente políticas.
Imaginem se Clinton teria o topete de dar uma entrevista no
tom daquela concedida por Dilma Rousseff à Folha, publicada nesta terça. Com
todas as letras, a mandatária acusou a oposição de golpista e desafiou: “Eu não
vou cair. Eu não vou, eu não vou. Isso é moleza, isso é luta política. As
pessoas caem quando estão dispostas a cair. Não estou. Não tem base para eu
cair. E venha tentar, venha tentar”.
Tivesse Clinton, durante a sua defesa, se comportado desse
modo, teria caído. Há desaforos que as instituições democráticas não aceitam.
Ele estava sofrendo um processo de acordo com as regras da democracia que
também o elegeram. Nesse regime, um governante não tem o direito de solapar o
que lhe confere legitimidade.
Nesta terça, o senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB,
reagiu às declarações destrambelhadas de Dilma (leia nota abaixo). Afirmou
tratar-se de “uma estratégia planejada para inibir a ação das instituições e da
imprensa brasileiras no momento em que pesam sobre a presidente da República e
sobre seu partido denúncias da maior gravidade”. Para Aécio, golpista é
discurso do PT. É evidente que concordo com ele, e eu mesmo já afirmei isso
aqui. Qualquer que seja o destino de Dilma, ele se dará dentro da lei.
Também nesta terça, capitaneados por Michel Temer (PMDB), 11
partidos da base de apoio assinaram um manifesto em defesa do mandato de Dilma.
Lá se pode ler:
“Os líderes e dirigentes partidários abaixo-assinados manifestam o seu apoio à
presidenta e ao vice-presidente da República. E reafirmam seu profundo respeito
à Constituição Federal e seu inarredável compromisso com a vontade popular
expressa nas urnas e com a legalidade democrática”.
Se Dilma cair em razão das pedaladas fiscais, será de acordo
com a lei. Se Dilma cair em razão da doação ilegal de uma empreiteira à
sua campanha, será igualmente de acordo com a lei.
Sim, a vontade nas urnas tem de ser respeitada. E o povo não
disse, em nenhum momento, que tinha vontade de ser roubado, achacado e
enganado.
A presidente pode ficar tranquila. Seu adversários não são
como os petistas que dão tudo aos amigos, menos a lei, e que negam tudo aos
inimigos, inclusive a lei.
Golpista, presidente, é tentar intimidar o TCU, o Congresso,
a Justiça e, claro!, a população!
(Reinaldo Azevedo)
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